quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A Visita


Sobe as escadas de forma lenta. É muito gordo e cansa-se com facilidade. Chega como se fossemos amigos de conversas diárias há anos, e este fosse mais um momento da nossa longa e feliz amizade.
Pergunta se já está alguém doente. Gosta de saber essas coisas, quem vai ser a primeira pessoa a apanhar a gripe este ano, que agora acaba-se o Verão e já se sabe, cai tudo à cama. Mora ao pé da praia mas não foi este ano, conta-me. Acontece muitas vezes e a muita gente, estar ao pé da praia e não ir. Não respondo. Tudo o que eu diga pode fazer com que a conversa dure o resto do dia. Limito-me a fixar os olhos no trabalho e fazer como se ele não estivesse aqui.
Mas é igual. Para ele. É normal subir a escada, entregar-me mais um cartão-de-visita, e perguntar se está tudo bem. Com especial incidência, claro, no pormenor das doenças. Deve ser porque a mulher é muito doente, soube-o de uma das vezes anteriores que cá veio fingir que me conhece e desembrulhar o nó da cabeça no meu regaço.
Penso como é comum contarem-me dramas pessoais. Este homem lembra-me de outras vezes que fui para casa a carregar dores que não são minhas, por me envolver e revoltar-me e convencer-me que podia fazer diferença. Não faço. Cada um faz a sua diferença, se realmente quiser.
Por isso, agora, sentada no meu lugar, a trabalhar como se não houvesse aqui ninguém, engulo a vontade de rir quando me conta, vaidoso, que veio comprar sacos para o cocó do cão. Incha pela prova de cidadania e da vontade de fazer a diferença na Caparica, onde é tudo uma porcaria, no que ao cocó de cão refere, entenda-se.
Em seguida passa para a mesa das revistas. Agarra-as com encanto e cuidado. Antevejo o desejo de as levar para casa. Desço o olhar para o teclado. Pergunto-me quanto tempo durará isto desta vez. Pega numa revista com um brilho de felicidade no olhar. Volta-se para mim e pergunta “vocês ainda têm esta revista?”. Não percebo a pergunta mas não interrogo, respondo que sim, o que é verdade, ou não estaria a revista na mão dele. Vê as datas das revistas. “Esta já é de Outubro de 2014, posso levá-la?”. Não, respondo eu, as revistas não podem sair daqui. Sinto-me maquiavélica. É como roubar um doce a uma criança. Fica desapontado e pergunta se pode tirar notas da revista. Então escreve. Eu tento olhar para esta cena de fora, como se fosse o público de uma peça de teatro, e não consigo decidir se é comédia ou tragédia.
Terminados os apontamentos sorri e despede-se. Eu digo adeus. Não percebo nada. Mas a verdade é que já não preciso de perceber tudo. Passou-me essa aspiração. Gastou-se-me no cansaço do tempo. Tenho poucas certezas, é o melhor. Mas sei que ele voltará.

Caminhar


Pudesse eu viajar eternamente e nunca mais voltar onde já estive
Uma renovação para fora do que foi, sempre, em cada passo
O caminho sempre aberto do impossível, ou do que não parece possível
E atravessá-lo sabendo que, acreditando, não há nada que não possa ser

domingo, 9 de agosto de 2015

Crónica dos dias da semana, ou as mil e uma maneiras de sermos controlados


Uma pessoa perde a conta à quantidade de formas como é controlada. Já é completamente normal que toda a gente saiba o que estamos a fazer, onde, com quem e durante quanto tempo. Toda a gente sabe o que gostamos de comer, se temos insónias, se fomos parar ao hospital, se casámos, divorciámos, traímos ou nos apaixonámos. Tornou-se normal contar a vida a quem a queira saber, sem vergonha nem filtro, gostamos de mostrar o que comemos, para onde viajamos, contar as nossas mais íntimas aspirações.
Somos todos cidadãos “livro-aberto”.
Na sociedade “facada-nas-costas”.
Estamos todos a precisar de um psiquiatra.
Habituámo-nos e é viciante. É uma nova forma de comunicar e sentimo-nos menos sós porque temos respostas. No tempo em que estamos todos sós falamos através de máquinas. Não falamos coisa nenhuma, mas iludimo-nos que sim. Sensibilizamo-nos com o interesse dos outros, mas na verdade os outros só querem mesmo é coscuvilhar a nossa vida. Tudo perdoado. Fazemo-lo exactamente pelas mesmas razões. Ninguém é inocente.
No meio de tanta informação, tanto acontecimento, tanta festa, tanto brinde, tanto amor perdido e abandonado nas redes sociais, há coisas que nos escapam. Habituamo-nos a imagens de fácil consumo, frases imediatas, competição ao prémio do mais óbvio, e tudo nos desabitua de pensar.
Há uns tempos o programa informático no meu emprego mudou. Agora somos diariamente felicitados com uma frase brilhante, uma citação bonita de gente já quase toda morta. Pela manhã sento-me no meu lugar, ligo o pc, levo logo com uma imagem maravilhosa de águas calmas e azuis (porque é Verão), e depois a dita frase. Tudo coisas positivas que não há cá negativismos no trabalho, excepto claro, o facto de já irmos para lá contrariados e a contar as horas para fazer o caminho inverso.
Frase lida. Começamos a trabalhar. Embirrei desde o primeiro dia com as ditas frases. Truques baixos do mundo empresarial para motivação imediata dos peões. Nada como embirrar com alguma coisa para começar a reparar com mais atenção. Tomar notas. Rir-me. A lata destes gajos.
E em jeito de conclusão da minha análise das frases motivacionais tenho a dizer que, somos subtilmente (mais ou menos) induzidos a entrar no estado de espírito da citação do dia. A dita citação não é escolhida à toa e detectei uma tendência para, em cada dia da semana, ser focado um propósito específico. Assim temos:
Segunda-feira: Planeamento;
Terça-feira: Produtividade;
Quarta-feira: Perseverança;
Quinta-feira: Trabalho de Equipa;
Sexta-feira: Felicidade;
Todas as semanas a mesma coisa. Um dia para cada ponto chave do trabalho exemplar. Sendo que à sexta-feira é-nos permitido ser felizes. No resto dos dias não há tempo para isso que temos de planear, ser produtivos e perseverantes em equipa. Para dar o litro. Sempre mais e mais. E com um sorriso nos lábios.
Eu se calhar era feliz todos os dias se não reparasse nestas merdas.

domingo, 2 de agosto de 2015

Novos Habitantes - Julho 2015

Este mês não há fotografia. Não vieram livros novos cá para casa. Estarei a curar-me?