Ainda não passou um mês e já não há nada de ti
aqui, Maria Ana.
Só eu, que continuo teu.
Da janela ainda te vejo a arrumar as últimas
malas no carro. Inventei uma desculpa para não te ajudar mas estava exactamente
aqui, escondido atrás da cortina, vendo-te enfiar a vida num Smart, debaixo da
chuva de um dia triste, o Black a latir e a chapinhar com as patinhas nas poças
da estrada.
Quase um mês sem vos ouvir subir pelo prédio
ao fim do dia. O Black com a trela solta batendo escada acima, e os tacões das
tuas botas pretas marcando o teu passo sempre apressado, talvez dois degraus de
cada vez para o arreliar numa corrida que no fim o deixavas ganhar. E eu ficava
à espera, sabendo que, depois de entrares em tua casa, pousares o casaco e a
boina, retocares o batom vermelho e penteares as pestanas, virias para aqui com
os textos e os planos e os sonhos.
Esta sala era o teu palco. Eu fui o teu
primeiro público, e serei o teu eterno público, mesmo se um dia as luzes do
palco se apagarem para ti, e o sonho não se cumprir, e as palmas não se fizerem
ouvir, eu continuarei atrás da cortina a olhar o estacionamento vazio com o sonho
a forçar a imaginação de te ver chegar.
Lia as falas contigo. Dizias que
contracenávamos mas eu era um miserável ponto, daqueles que falham os tempos e
se perdem nas páginas da peça. O problema é que me perdia na tua luz e ficava
surdo na tua gargalhada, mesmo a gargalhada encenada, falsa, enganosa, perfeita
de trabalhada, capaz de te sair da alma em pranto.
Maria Ana, tenho saudades de ser só eu a
gostar de ti. De não receberes cartas, e-mails e flores dos admiradores que não
sabem quem és e que te querem sem te conhecer. Que são enganados pelas tuas
personagens, pela falsidade com que te inventas para pisar, uma vez mais o
palco, ficando tu, Maria Ana, à espera do fim, no camarim.
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