Está sozinho à mesa. Segura a ementa com as
duas mãos e eu, na mesa em frente, só lhe vejo a testa e as mãos tatuadas. Uma
estrela nas costas da mão direita, só o contorno, vazia, sem preenchimento. Uma
palavra circula-lhe a base do polegar, imagino um nome, alguém com um
significado especial talvez, estou longe para perceber.
Vira a página da ementa e um anel largo, de
ouro, com uma pedra quadrada, brilha-lhe no anular. Muda de posição e,
ligeiramente de perfil, sobressai-lhe a cabeleira longa, farta, já grisalha nas
fontes. A parte superior presa no alto da cabeça faz aparecer uma tatuagem que,
imagino, lhe ocupe a parte de trás do pescoço. Uma frase? Um nome? Um local?
Os fios pesados e grossos tapam-lhe as costas.
A indumentária negra confere-lhe um ar pesado, que poderia ser assustador se
não fossem os olhos tristes que agora se desviam da ementa e olham, vazios,
pela janela.
Pousa a ementa. Tira de uma pequena pasta rectangular,
de pele preta, um mapa da cidade e alguns folhetos com atracções turísticas. O
empregado aproxima-se e ele, distraído com os desenhos das ruas coloridas, nem
se apercebe que um homem alto, elegante e muito direito, aguarda, discreto,
pelo pedido.
O empregado, desconfortável, move-se de modo
a ser notado. Resulta e ele pega novamente na ementa. Faz o pedido apontando os
pratos, nitidamente desconfortável por não saber a língua local.
Novamente só, olha em redor e os nossos olhos
cruzam-se. Baixo os olhos para o prato, incomodada por ter sido apanhada a
observá-lo tão descaradamente. Sinto-o curioso, sei que me observa, num gesto
desastrado o seu copo cai no chão. O tapete absorve o líquido carmim, que se
espalha em pequenos rios pelas riscas da alcatifa. Olhamo-nos. Visivelmente
perturbado pega na pasta com intenção de ir embora. O telemóvel e a chave do
quarto caem pelo fecho ainda aberto. Apanha os haveres do chão com pressa,
evidenciando um estado de nervos sem justificação. Acho-lhe piada e sorrio para
dentro, cada vez mais intrigada com este homem solitário de comportamentos estranhos,
quase infantis.
Já de pé pega no casaco comprido, preto, que
estava pousado nas costas da cadeira e, num gesto ágil, veste-o. Pega na pasta,
já fechada e com tudo guardado, e sai da sala. Observo-o de costas, o andar
apressado como se fugisse, fazendo com que as abas do casaco fiquem para trás e
balancem à medida que se desloca. Um vulto negro de cabelos longos a
desaparecer pelas portas de vidro da sala de jantar.
O empregado volta. Segura a bandeja com o
jantar. Olha-me de forma interrogativa e eu encolho os ombros fazendo um esgar
esquisito com a boca. Olha em redor e, desistindo, regressa com a bandeja para
a cozinha.
Reparo num cartão-de-visita caído no chão.
Levanto-me e apanho-o. Observo e sinto a textura com relevos do papel
sofisticado. Francês, penso. Ivan, repito sussurrando.
minha amiga, conta mais!
ResponderEliminarVou contar. O Ivan vai-me falar ao ouvido. ;)
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