Está sozinha à mesa. Olha-me sem disfarçar.
Os olhos negros entram pelos meus, que fogem sem ter para onde. Tapo o rosto
com a ementa. Desvio-a de vez em quando mas o olhar de falcão continua a
ameaçar-me. O vestido vermelho faz-me o coração correr, batendo-me forte nas
têmporas. Viro a página da ementa e já cheguei às bebidas, sem ter sequer visto
os pratos.
Olho pela janela mas a escuridão é total.
Inundou o campo verde onde as ovelhas pastavam esta tarde. Esta tarde em que passeei
sozinho nos momentos nossos, ou que seriam nossos. Sentei-me numa rocha e
procurei um trevo de quatro folhas num molho que arranquei, com força, da terra.
A minha falta de sorte não é novidade, mas a esperança de te ver aparecer no
carreiro e vir ao meu encontro, fez-me ficar horas ali. Tantas, que o frio
avançou pelo meu corpo galgando-me a vida. A minha alma morreu quando
desapareceste, o meu corpo podia ter ficado ali, com um molho de trevos
azarados na mão.
Pouso a ementa e evito olhar a mulher, mas sei que
continua a observar-me. Deve olhar-me as tatuagens e imaginar significados.
Lembro-me do dia em que tatuei a estrela na mão, o dia em que soube que no meu
céu haveria sempre, pelo menos, uma estrela. És tu. Ainda és. Estaríamos
casados agora, sentados a esta mesa a rir dos nomes estranhos na ementa. Desde
que cheguei que não entendo uma palavra escrita ou falada. Mas que fazer? Era
neste fim do mundo que querias passar a lua-de-mel. Toco na estrela e penso se
haverá alguém, além de mim, que faça, sozinho, a viagem de lua-de-mel planeada,
depois de um casamento que não aconteceu. Onde estás Sara? Eu vim para te
encontrar.
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