Os postais estão prontos. Escrevi cada um
como se pudesse falar com o destinatário. Imaginei-nos sentados na minha sala,
eu na minha poltrona preferida, tomando uma bebida e fumando um charuto devagar
e com prazer.
Dediquei cada palavra escrita a essas conversas
imaginadas. O riso bom que, fechando os olhos pude ouvir. O sol entrava
impetuoso pela vidraça larga enquanto eu dizia à Joana, olhos nos olhos, que
lhe desejo o melhor Natal de sempre. Beijei-lhe as mãos com amizade e fiquei
mais um pouco com as suas mãos nas minhas, sentindo a retribuição das minhas
palavras.
As minhas mãos estão frias, aqui, onde não
chega o sol. A luz artificial, demasiado forte e branca, ilumina os envelopes
fechados. Levanto-me e percorro a minha existência em poucos passos. Ouço o
silêncio, duro e constante, apenas interrompido pelo som das gargalhadas
imaginadas dos meus filhos. Ou então, chamando-me à realidade, o momento em que
o guarda abre a porta da cela. Também lhe dediquei um postal de Natal. Se em
tempos tinha gosto de os partilhar com os colaboradores da minha empresa, agora
faço-o com aqueles que, curiosamente, trabalham para quem está preso.
O que mais me custou foi escrever com uma
esferográfica transparente de bico constantemente borrado, e ter de, no final
da escrita, abanicar no ar o postal de modo a poder fechá-lo sem esborratar as
palavras.
É a primeira vez que passo o Natal na prisão.
Não é assim tão mau. Habituei-me a dizer que está tudo bem. Já o faço de forma
automática e convincente, junto-lhe um sorriso não demasiado rasgado, mas bem
treinado, e prossigo contando às visitas que estou a rentabilizar o meu tempo,
agora que os dias estão todos por minha conta. Digo-lhes que vou escrever um
livro, um romance sobre as minhas viagens. Mas no silêncio da noite, na minha
cela nua, eu sei que todas as palavras que escrever denunciarão o meu fracasso.
Amanhã a Joana deve vir, como faz todos os
Domingos. Sou eu que lhe seco as lágrimas enquanto mostro, forte, que estou
bem. Depois regresso a este mundo fechado de solidão com vozes. Vozes que não
me soltam os pensamentos e que, no silêncio da noite, me falam gritando. Por
vezes, tal é a necessidade de esquecer, tomo um comprimido para dormir. Não me
lembro do momento de aconchego que separa o estar acordado do entrar, suavemente,
no limbo da inconsciência. Penso de forma nebulosa antes do tombo fatal para o
vazio de uma noite negra e pesada, sem sonhos, sem memórias ou sensações.
Apago-me neste Natal que não quero viver.
Pai Natal, para mim, uns comprimidos para a
tristeza, por favor.
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