E de repente deixou de estar onde estava.
Deixou de ouvir o telefone. Deixou de ver as pilhas de papéis à sua volta.
Deixou de ouvir o seu nome, repetido continuamente por diferentes vozes. Foi
para a sombra das árvores. Ouvia os pássaros. Sentia uma brisa de final de dia,
suave e amiga, que lhe encheu o rosto com o sorriso, e os olhos, mesmo fechados,
de brilho.
Ser livre é questão de imaginação. Não o é
quem pode. É livre quem luta todos os dias mais um pouco por vir á tona, por escolher
respirar fundo em vez de se deixar afogar. Respirar ar puro em locais
intoxicados porque se imaginam os dias sem poluição.
A imaginação pode salvar. É uma criação
pessoal. E ela sabe disso. Sabe-o quando está só nos dias cheios de gente que
não quer ver, e vai para o cimo de um penhasco só para ter o medo bom de cair a
flutuar. Devagar. Amortecendo o corpo nas nuvens com formas estranhas que,
imaginando, são peixes, cavalos ou até elefantes. E com os pés mesmo na
beirinha, continuando com o medo bom da queda, sopra bolas de sabão para os
peixes, cavalos e elefantes. Para que fiquem juntos. Ela, que vai dentro das
bolas de sabão, e as nuvens que a querem para brincar.
E imagina também, quando à noite está sozinha
por dentro e não dorme, quando o luar ilumina uma nesga de chão, imagina uma
vida de filme nessa tela de chão. E sorri dos beijos. E sorri dos afagos. E
sorri de sorrir gargalhadas. E ser feliz imaginando deixa-a feliz a sério.
Salva-a cada minuto mais um pouco. Adia a consciência. Ilude os sentidos. Sorri
deitada na cama do bom que é não dormir. Ficar acordada para sentir a
felicidade. Imaginada.
Sem comentários:
Enviar um comentário