terça-feira, 29 de setembro de 2015

Carta


“Desfaço o nó da tua ausência com recordações que me apertam a ansiedade.”
Termino assim esta carta para ti.
Dobro a folha, meto no envelope, hesito antes de fechar, retiro a folha, rasgo-a.
Não saio do mesmo lugar.

domingo, 20 de setembro de 2015

Procrastinação


Mesmo ao Domingo acorda cedo. Antes das oito horas sai da cama e liga o computador. Como um aviso. Abre a janela e sente que o Verão está no fim. Aconchega o casaco e respira a luz do sol, já alto, que avisa para o tempo que tem de ganhar.
Passa pelo computador e decide pintar as unhas. Arruma a cadeira junto à secretária e vai escolher a cor do verniz. Vermelho sangue nas unhas curtas. Pinta as unhas da mão esquerda e lê um livro para se obrigar a estar quieta, para não estragar já a pintura. Pinta as unhas da mão direita, mais difícil, a mão esquerda é menos ágil. A unha do indicador, teimosa, sai sempre mal. Retira o verniz e volta a pintar, retira o verniz e volta a pintar, retira o verniz e volta a pintar, nunca fica bem, como aqueles textos teimosos que não saem à primeira a que se segue uma sessão de corta, escreve, corta, escreve, corta, escreve.
Está há cerca de uma hora a pintar unhas e o computador à espera. O texto começado, um bocado de nada à espera de direcção, sempre na sua cabeça, e a unha, teimosa, sempre mal pintada. Irrita-se com a teimosia da unha e com a sua pouca teimosia por escrever, por deixar o cursor à espera, por não ter ideias ou ter demasiadas ideias, sem querer bate no frasco do verniz, que dá uma pirueta no ar lançando rios de vermelho na queda. O chão e a mesa com riscas de sangue. Não há acetona suficiente para limpar. Não vale a pena chorar sobre o verniz derramado. Fecha o frasco com o que sobrou e senta-se a escrever.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Francisca


Hoje é o dia em que chegaste.
Avisaste por sms. Soube o teu nome e o teu peso no telemóvel. E só pude imaginar como serias. A distância é encurtada pela velocidade do envio de imagens e vídeos. Mas nada é igual aos teus braços estendidos quando chego.
Ver-te crescer. Faço-o à distância. E mesmo perto sou distante. Observo e sinto para mim aquilo que os outros te dizem.
Não sei escrever coisas que entendas, mas espero que o tempo te deixe entender as coisas que eu escrevo. Sou o silêncio do que penso sem dizer, quando brinco contigo sem falar, aos jogos inventados por ti para me ganhares.
Mas ouço-te, desde as falinhas de bebé até hoje, em que me contas as histórias das princesas espalhadas no tapete, misturadas com os talheres da cozinha de brincar.
És uma menina grande que não esconde doçura e mimo. Nos teus olhos vejo a alegria que tenho ao meu lado todos os dias. E, por isso, também és um bocadinho minha.
Que o tempo nos dê muito tempo.
Que o teu caminho seja sempre o mais feliz.