quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Postais de Natal


Os postais estão prontos. Escrevi cada um como se pudesse falar com o destinatário. Imaginei-nos sentados na minha sala, eu na minha poltrona preferida, tomando uma bebida e fumando um charuto devagar e com prazer.
Dediquei cada palavra escrita a essas conversas imaginadas. O riso bom que, fechando os olhos pude ouvir. O sol entrava impetuoso pela vidraça larga enquanto eu dizia à Joana, olhos nos olhos, que lhe desejo o melhor Natal de sempre. Beijei-lhe as mãos com amizade e fiquei mais um pouco com as suas mãos nas minhas, sentindo a retribuição das minhas palavras.
As minhas mãos estão frias, aqui, onde não chega o sol. A luz artificial, demasiado forte e branca, ilumina os envelopes fechados. Levanto-me e percorro a minha existência em poucos passos. Ouço o silêncio, duro e constante, apenas interrompido pelo som das gargalhadas imaginadas dos meus filhos. Ou então, chamando-me à realidade, o momento em que o guarda abre a porta da cela. Também lhe dediquei um postal de Natal. Se em tempos tinha gosto de os partilhar com os colaboradores da minha empresa, agora faço-o com aqueles que, curiosamente, trabalham para quem está preso.
O que mais me custou foi escrever com uma esferográfica transparente de bico constantemente borrado, e ter de, no final da escrita, abanicar no ar o postal de modo a poder fechá-lo sem esborratar as palavras.
É a primeira vez que passo o Natal na prisão. Não é assim tão mau. Habituei-me a dizer que está tudo bem. Já o faço de forma automática e convincente, junto-lhe um sorriso não demasiado rasgado, mas bem treinado, e prossigo contando às visitas que estou a rentabilizar o meu tempo, agora que os dias estão todos por minha conta. Digo-lhes que vou escrever um livro, um romance sobre as minhas viagens. Mas no silêncio da noite, na minha cela nua, eu sei que todas as palavras que escrever denunciarão o meu fracasso.
Amanhã a Joana deve vir, como faz todos os Domingos. Sou eu que lhe seco as lágrimas enquanto mostro, forte, que estou bem. Depois regresso a este mundo fechado de solidão com vozes. Vozes que não me soltam os pensamentos e que, no silêncio da noite, me falam gritando. Por vezes, tal é a necessidade de esquecer, tomo um comprimido para dormir. Não me lembro do momento de aconchego que separa o estar acordado do entrar, suavemente, no limbo da inconsciência. Penso de forma nebulosa antes do tombo fatal para o vazio de uma noite negra e pesada, sem sonhos, sem memórias ou sensações. Apago-me neste Natal que não quero viver.
Pai Natal, para mim, uns comprimidos para a tristeza, por favor.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Terei coragem?


Tiro o mapa da pasta para ter alguma coisa para fazer e evitar observá-la. O contraste dos cabelos negros com a pele muito branca e o vestido vermelho são um íman para os meus olhos. O que fará aqui sozinha? Estará também no hotel?
De repente vejo o empregado ao meu lado para anotar o pedido. Não o vi chegar. Não li a ementa mas pego-lhe de novo e aponto para uma coisa qualquer que não percebo o que seja.
Finalmente olho para ela. Olho-a de frente e fixo o olhar, como se fosse um jogo infantil em que vence o mais forte. Recua, baixa os olhos. Parece incomodada o que me deixa ainda mais nervoso. Estou demasiado desconfortável e sinto que está a chegar mais um ataque de pânico, perco o controlo dos meus próprios movimentos e deito o copo de vinho ao chão. O líquido espalha-se no tapete. Olhamo-nos ao mesmo tempo e eu sei que chegou o momento de sair. Num impulso pego na pasta mas cai tudo. Guardei as coisas lá dentro sem a fechar. Apanho o telemóvel e a chave do quarto do chão, guardo também o mapa e alguns folhetos turísticos, visto o casaco e saio. O meu coração parece um tambor, gotas de suor formam-se na testa, o cabelo bate-me nas costas tal é a força que faço com os pés no chão e a velocidade com que me movo.
Tenho de ser rápido. Receio não chegar ao quarto a tempo. Finalmente a porta do elevador abre-se, e eu caminho em ritmo rápido pelo corredor. Só tenho tempo de entrar no quarto, abrir a porta da casa de banho, levantar a tampa da sanita e vomitar.
Lavo a cara e recomponho-me. Sento-me no chão enquanto seco o rosto. Largo a toalha e abro o cofre que está dentro do armário, marco o código e a porta abre, tiro a arma e olho-a, seguro-a com as duas mãos e pergunto-me se terei coragem.
Decido ligar ao detective. Já é tarde mas não posso adiar mais. Procuro o cartão na pasta, nos bolsos do casaco e das calças, sento-me na cama e apoio a cabeça nas mãos. Perdi o cartão. Qual era o nome dele? Ivan? Ivan qualquer coisa…

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Onde estás Sara?


Está sozinha à mesa. Olha-me sem disfarçar. Os olhos negros entram pelos meus, que fogem sem ter para onde. Tapo o rosto com a ementa. Desvio-a de vez em quando mas o olhar de falcão continua a ameaçar-me. O vestido vermelho faz-me o coração correr, batendo-me forte nas têmporas. Viro a página da ementa e já cheguei às bebidas, sem ter sequer visto os pratos.
Olho pela janela mas a escuridão é total. Inundou o campo verde onde as ovelhas pastavam esta tarde. Esta tarde em que passeei sozinho nos momentos nossos, ou que seriam nossos. Sentei-me numa rocha e procurei um trevo de quatro folhas num molho que arranquei, com força, da terra. A minha falta de sorte não é novidade, mas a esperança de te ver aparecer no carreiro e vir ao meu encontro, fez-me ficar horas ali. Tantas, que o frio avançou pelo meu corpo galgando-me a vida. A minha alma morreu quando desapareceste, o meu corpo podia ter ficado ali, com um molho de trevos azarados na mão.
Pouso a ementa e evito olhar a mulher, mas sei que continua a observar-me. Deve olhar-me as tatuagens e imaginar significados. Lembro-me do dia em que tatuei a estrela na mão, o dia em que soube que no meu céu haveria sempre, pelo menos, uma estrela. És tu. Ainda és. Estaríamos casados agora, sentados a esta mesa a rir dos nomes estranhos na ementa. Desde que cheguei que não entendo uma palavra escrita ou falada. Mas que fazer? Era neste fim do mundo que querias passar a lua-de-mel. Toco na estrela e penso se haverá alguém, além de mim, que faça, sozinho, a viagem de lua-de-mel planeada, depois de um casamento que não aconteceu. Onde estás Sara? Eu vim para te encontrar.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Ivan


Está sozinho à mesa. Segura a ementa com as duas mãos e eu, na mesa em frente, só lhe vejo a testa e as mãos tatuadas. Uma estrela nas costas da mão direita, só o contorno, vazia, sem preenchimento. Uma palavra circula-lhe a base do polegar, imagino um nome, alguém com um significado especial talvez, estou longe para perceber.
Vira a página da ementa e um anel largo, de ouro, com uma pedra quadrada, brilha-lhe no anular. Muda de posição e, ligeiramente de perfil, sobressai-lhe a cabeleira longa, farta, já grisalha nas fontes. A parte superior presa no alto da cabeça faz aparecer uma tatuagem que, imagino, lhe ocupe a parte de trás do pescoço. Uma frase? Um nome? Um local?
Os fios pesados e grossos tapam-lhe as costas. A indumentária negra confere-lhe um ar pesado, que poderia ser assustador se não fossem os olhos tristes que agora se desviam da ementa e olham, vazios, pela janela.
Pousa a ementa. Tira de uma pequena pasta rectangular, de pele preta, um mapa da cidade e alguns folhetos com atracções turísticas. O empregado aproxima-se e ele, distraído com os desenhos das ruas coloridas, nem se apercebe que um homem alto, elegante e muito direito, aguarda, discreto, pelo pedido.
O empregado, desconfortável, move-se de modo a ser notado. Resulta e ele pega novamente na ementa. Faz o pedido apontando os pratos, nitidamente desconfortável por não saber a língua local.
Novamente só, olha em redor e os nossos olhos cruzam-se. Baixo os olhos para o prato, incomodada por ter sido apanhada a observá-lo tão descaradamente. Sinto-o curioso, sei que me observa, num gesto desastrado o seu copo cai no chão. O tapete absorve o líquido carmim, que se espalha em pequenos rios pelas riscas da alcatifa. Olhamo-nos. Visivelmente perturbado pega na pasta com intenção de ir embora. O telemóvel e a chave do quarto caem pelo fecho ainda aberto. Apanha os haveres do chão com pressa, evidenciando um estado de nervos sem justificação. Acho-lhe piada e sorrio para dentro, cada vez mais intrigada com este homem solitário de comportamentos estranhos, quase infantis.
Já de pé pega no casaco comprido, preto, que estava pousado nas costas da cadeira e, num gesto ágil, veste-o. Pega na pasta, já fechada e com tudo guardado, e sai da sala. Observo-o de costas, o andar apressado como se fugisse, fazendo com que as abas do casaco fiquem para trás e balancem à medida que se desloca. Um vulto negro de cabelos longos a desaparecer pelas portas de vidro da sala de jantar.
O empregado volta. Segura a bandeja com o jantar. Olha-me de forma interrogativa e eu encolho os ombros fazendo um esgar esquisito com a boca. Olha em redor e, desistindo, regressa com a bandeja para a cozinha.
Reparo num cartão-de-visita caído no chão. Levanto-me e apanho-o. Observo e sinto a textura com relevos do papel sofisticado. Francês, penso. Ivan, repito sussurrando.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Os favoritos de Outubro e Novembro

 

Outubro foi, definitivamente, o mês da negligência aqui no blogue. Não há imagem de novos habitantes nem havia referência ao favorito do mês. "Flores", de Afonso Cruz, foi o que de melhor li em Outubro. "O Caçador do Verão", de Hugo Gonçalves, é a leitura eleita de Novembro; ainda não há opinião publicada porque isto de ir de férias faz muito mal! :)
Recomendo muito. Ambos.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Novos Habitantes - Novembro 2015


Novembro foi um bom mês, mas Outubro foi ainda melhor. Infelizmente apaguei (sem querer) as fotos dos habitantes de Outubro e, por preguiça (já estavam todos arrumados e organizados por ordem nas estantes), não repeti as fotos.
Ficam os habitantes chegados em Novembro, que recebi, como sempre, de braços abertos.

Nota: após publicação do post verifiquei que, por lapso, não incluí na foto"A Hora Solene", de Nuno Nepomuceno. O livro andava a ser lido a quatro mãos e não respondeu "presente" quando o chamei para a fotografia.
Em jeito de compensação deixo o link para a minha opinião publicada e, claro, a recomendação da sua leitura.

domingo, 29 de novembro de 2015

Eu, Maria Ana

Já saíram todos. Mas eu ainda ouço as vozes e os risos na minha cabeça. Doí-me a cara de forçar o sorriso. O batom custa a sair e espalha-se para lá das fronteiras dos lábios como se eu fosse um palhaço de boca disforme e cómica. Olho para os sapatos caídos no canto e sinto o ardor de uma bolha que se formou no calcanhar. Sento-me. Olho-me ao espelho e procuro na Maria Ana que me olha o que ficou dos sonhos da menina que meteu a vida num smart naquele dia de chuva.
Levanto-me e olho as roupas no cabide. Toco as plumas leves e suaves da gola do terceiro acto. Faz-me comichão no nariz e tenho de encolher o espirro no meio das falas. Desvio a cara para o lado oposto ao público e imagino-me a pegar fogo à gola quando chegar ao camarim.
Abro a gaveta e procuro algo normal para vestir. Algo que me esvazie das personagens com quem vivo. Está um embrulho em cima do móvel. Tem uma fita vermelha que termina num laço. Sei que é um livro. Procuro um cartão. Uma pista. Um sonho que possa agarrar, guardar, e saber que foste tu.
Eu vi-te na plateia. Estavas um pouco escondido. Procuro-te em todas as sessões. Desta vez, antes do pano subir, antes de me colocar na minha posição, procurei uma vez mais por ti, desejando que a amizade seja maior do que a mágoa. Tremi quando te vi. Por me enganar nas vezes que não vieste, dizendo que não é importante, apagando o desejo de receber um sinal só para não me desiludir.
Quando segurei o livro contra o peito, virada para ti, pegava-lhe com muita força para não se notar que as minhas mãos tremiam. Puxei do vozeirão para abafar a emoção das falas ditas a duas vozes. Na minha cabeça ouvia o meu eco. Eras tu.
Desta vez o palco foi nosso, como o foi tantas vezes ainda antes de haver palco, na tua sala, no meio de papéis espalhados, o único lugar onde fui princesa e me senti rainha de alguma coisa.
Pego no embrulho e desejo ainda mais que seja teu. Largo-o e não o abro para o delírio durar mais um pouco. Observo-o e deito-me a adivinhar que livro será, e viajo para as estantes cheias de pó daquele Alfarrabista onde íamos juntos procurar peças de teatro. Inspiro e consigo sentir o cheiro abaunilhado dos livros de folhas gastas, com histórias escritas e histórias das mãos que os viveram.
Num impulso pego no embrulho e puxo uma ponta do laço vermelho. O papel abre de imediato como se o laço fosse mágico e uma vez desfeito todos os tesouros ficassem à vista. O livro não tem capa e as páginas estão manchadas. Cheira a Invernos à lareira e chá quente. É o meu favorito, para juntar aos outros, todos o mesmo. Agora sei que foste tu. Que estiveste aqui, real, mas invisível para mim. Ou então fui eu, que naquele dia de chuva, decidi não te ver mais.
Arrumo o livro na gaveta e guardo com ele os sonhos. Visto o casaco. Calço os sapatos. Os mesmos, os que fazem doer, porque eu sei que aguento. Porque quero sofrer só mais um bocadinho por não te ter. Apanho o sorriso que fugiu. Há pessoas à minha espera.

sábado, 21 de novembro de 2015

Sou invisível, Maria Ana


Desce o pano e eu olho para o livro que tenho no colo. Embrulhado por mim. Uma fita vermelha que termina num laço. Foi naquele alfarrabista onde íamos juntos procurar peças de teatro. O Black ficava à porta enquanto nós vasculhávamos estantes de livros gastos pelo tempo, os que tu mais gostavas.
Comprei-te um livro sem capa e com as páginas manchadas, velho das mãos e dos olhos que o consumiram. Um livro com história, dirias tu de olhar a brilhar, a cheirar a Invernos à lareira e chá quente. É para a tua colecção, se ainda a fizeres. A tua colecção de exemplares do mesmo livro, o teu favorito. É uma edição rara, disse-me o senhor da loja. Eu não sei. Sem ti não percebo nada de livros. No outro dia fui a uma livraria comprar um livro para mim e senti-me perdido. Segui o conselho do livreiro e saiu-me um policial cheio de sangue que me deixou toda a noite de olho arregalado na porta da entrada. O que te irias rir de mim. Se soubesses. Se eu to pudesse contar. Se quisesses saber.
Acordo dos pensamentos e vejo-me só na plateia. Levanto-me e procuro o acesso aos camarins. Ocorre-me que talvez não me deixem entrar. Sigo por uma porta e imagino-me invisível. A actriz que fez de tua tia vem na minha direcção. Encolho-me por dentro. Nada me diz. Sou invisível.
Espreito por uma outra porta de onde me chegam vozes e risos. O teu riso. Generoso como um rio que galga as margens. E vejo-te rodeada de pessoas e flores. Há champanhe e copos numa mesa. Estás de costas, ainda de cabelos loiros. Os sapatos descansam-te dos pés caídos num canto. Seguras flores e um copo enquanto dás sorrisos de batom vermelho. Recebes um beijo na mão e o espelho conta-me que retribuis com o olhar de pestanas longas, sensual e carente, quase sonolento. Fora do palco o olhar já é o teu?
Pouso o livro num móvel alto ao pé de um cabide com roupas. Passo os dedos por uma gola de plumas. Leves e suaves. Quase como se não existissem ou as minhas mãos as pudessem atravessar. Olho uma última vez para o livro e penso se darás por ele, se saberás que fui eu. Saio. De onde nunca estive. Sou invisível.

domingo, 25 de outubro de 2015

Nunca me viste, Maria Ana


Subo as escadas e procuro a minha cadeira. Fila L, lugar 23. Não tenho grande visão mas não faz mal, que se te vejo mal pior me verás tu, e ainda bem, penso. A verdade é que não me verás de todo, nem nesta plateia, nem se fosse ter contigo ao camarim. Nunca me viste, Maria Ana, pelo menos nunca para além do óbvio, nunca para além do meu corpo magro e desengonçado, dos meus piropos banais, do meu amor imenso por ti.
Sento-me e sinto desconforto. Um frio na barriga antes de subir o pano. Imagino para lá do palco e vejo-te, a tez muito branca e lisa, camaleónica depois da maquilhagem. Observei-te tantas vezes à socapa a fazer o risco por cima dos olhos, a forma como davas um jeito à boca e esticavas a pálpebra com a outra mão. E agora imagino-te no teu robe branco e sedoso, que te cai nos ombros estreitos como se fizesse parte do teu corpo, vejo a pequena gota de suor que te nasce no peito, entre os seios, como um sintoma da ansiedade que de imediato eliminas com os dedos de unhas curtas, pintadas de vermelho.
Levantas-te. O robe cai. O teu corpo recebe a roupa do outro corpo com que sobes ao palco. Colocas a peruca longa e loira e apagas o que resta de ti. Renasces. Sobes aos sapatos, sais para o corredor, segues para a tua posição atrás do pano e eu sei que já lá estás, que só este pano vermelho, pesado e grosso me separa de te ver. E então sufoco-me na incerteza de te ver ou sair, ir embora e evitar a onda que me vai derrubar quando te vir.
Sobe o pano. Fico. Por medo de me arrepender. Porque tenho de te ver.
É uma sala e tu está sentada num sofá em frente à lareira, lendo. Viras uma página e choras. Olhas o fogo. Levantas-te e aproximas das chamas um papel que estava dentro do livro. Afastas-te enquanto arde, as mãos segurando o livro contra o peito, virada para a plateia, virada para mim, olhando-me, dizes, dizemos juntos, eu sei o que vais dizer, eu sei todas as tuas falas dos nossos ensaios em minha casa. Eu digo, tu dizes “Que este fogo me consuma como queima a tua carta”. Recebo uma cotovelada da senhora ao meu lado. Olho-a e vejo o seu olhar furioso por cima dos óculos com lentes progressivas, o dedo indicador na vertical em frente ao nariz e aos lábios. Falei alto. Mais alto do que pensei que falei.
No palco ainda choras, frágil. Quem me dera que fosses esta personagem, frágil, a chorar de amor queimando a minha carta.
Mas tu és a mulher que me deixou sozinho com a sala cheia de peças de teatro. Que, quando perguntei porquê, porque é que tens de ir, porque é que não continuas a fazer o que gostas mas aqui, me respondeu – Porque eu decidi que vou, e vai ser como eu decidi.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Nada de ti aqui, Maria Ana


Ainda não passou um mês e já não há nada de ti aqui, Maria Ana.
Só eu, que continuo teu.
Da janela ainda te vejo a arrumar as últimas malas no carro. Inventei uma desculpa para não te ajudar mas estava exactamente aqui, escondido atrás da cortina, vendo-te enfiar a vida num Smart, debaixo da chuva de um dia triste, o Black a latir e a chapinhar com as patinhas nas poças da estrada.
Quase um mês sem vos ouvir subir pelo prédio ao fim do dia. O Black com a trela solta batendo escada acima, e os tacões das tuas botas pretas marcando o teu passo sempre apressado, talvez dois degraus de cada vez para o arreliar numa corrida que no fim o deixavas ganhar. E eu ficava à espera, sabendo que, depois de entrares em tua casa, pousares o casaco e a boina, retocares o batom vermelho e penteares as pestanas, virias para aqui com os textos e os planos e os sonhos.
Esta sala era o teu palco. Eu fui o teu primeiro público, e serei o teu eterno público, mesmo se um dia as luzes do palco se apagarem para ti, e o sonho não se cumprir, e as palmas não se fizerem ouvir, eu continuarei atrás da cortina a olhar o estacionamento vazio com o sonho a forçar a imaginação de te ver chegar.
Lia as falas contigo. Dizias que contracenávamos mas eu era um miserável ponto, daqueles que falham os tempos e se perdem nas páginas da peça. O problema é que me perdia na tua luz e ficava surdo na tua gargalhada, mesmo a gargalhada encenada, falsa, enganosa, perfeita de trabalhada, capaz de te sair da alma em pranto.
Maria Ana, tenho saudades de ser só eu a gostar de ti. De não receberes cartas, e-mails e flores dos admiradores que não sabem quem és e que te querem sem te conhecer. Que são enganados pelas tuas personagens, pela falsidade com que te inventas para pisar, uma vez mais o palco, ficando tu, Maria Ana, à espera do fim, no camarim.

domingo, 11 de outubro de 2015

O favorito do mês - Setembro 2015


Este é um favorito sem opinião escrita. Sem vontade de encher a página branca depois de lido. Raro. Mas acontece.
Gostei da premissa. Gostei de como a ideia é trabalhada. Gostei de pensar nas possibilidades e de as emparelhar com a realidade. Gostei de sentir medo, porque o terror está bem conseguido. Gostei de colocar em causa, porque penso e acredito.
Não gosto do Michel Houellebecq e gostava de me ter esquecido disso mais vezes durante a leitura. Mas é difícil gostar da escrita de quem não se gosta e eu gosto. E por isso este livro sobe ao pódio este mês. A minha imparcialidade é imperfeita, mas não tenho dúvidas de que o livro é brilhante.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Carta


“Desfaço o nó da tua ausência com recordações que me apertam a ansiedade.”
Termino assim esta carta para ti.
Dobro a folha, meto no envelope, hesito antes de fechar, retiro a folha, rasgo-a.
Não saio do mesmo lugar.

domingo, 20 de setembro de 2015

Procrastinação


Mesmo ao Domingo acorda cedo. Antes das oito horas sai da cama e liga o computador. Como um aviso. Abre a janela e sente que o Verão está no fim. Aconchega o casaco e respira a luz do sol, já alto, que avisa para o tempo que tem de ganhar.
Passa pelo computador e decide pintar as unhas. Arruma a cadeira junto à secretária e vai escolher a cor do verniz. Vermelho sangue nas unhas curtas. Pinta as unhas da mão esquerda e lê um livro para se obrigar a estar quieta, para não estragar já a pintura. Pinta as unhas da mão direita, mais difícil, a mão esquerda é menos ágil. A unha do indicador, teimosa, sai sempre mal. Retira o verniz e volta a pintar, retira o verniz e volta a pintar, retira o verniz e volta a pintar, nunca fica bem, como aqueles textos teimosos que não saem à primeira a que se segue uma sessão de corta, escreve, corta, escreve, corta, escreve.
Está há cerca de uma hora a pintar unhas e o computador à espera. O texto começado, um bocado de nada à espera de direcção, sempre na sua cabeça, e a unha, teimosa, sempre mal pintada. Irrita-se com a teimosia da unha e com a sua pouca teimosia por escrever, por deixar o cursor à espera, por não ter ideias ou ter demasiadas ideias, sem querer bate no frasco do verniz, que dá uma pirueta no ar lançando rios de vermelho na queda. O chão e a mesa com riscas de sangue. Não há acetona suficiente para limpar. Não vale a pena chorar sobre o verniz derramado. Fecha o frasco com o que sobrou e senta-se a escrever.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Francisca


Hoje é o dia em que chegaste.
Avisaste por sms. Soube o teu nome e o teu peso no telemóvel. E só pude imaginar como serias. A distância é encurtada pela velocidade do envio de imagens e vídeos. Mas nada é igual aos teus braços estendidos quando chego.
Ver-te crescer. Faço-o à distância. E mesmo perto sou distante. Observo e sinto para mim aquilo que os outros te dizem.
Não sei escrever coisas que entendas, mas espero que o tempo te deixe entender as coisas que eu escrevo. Sou o silêncio do que penso sem dizer, quando brinco contigo sem falar, aos jogos inventados por ti para me ganhares.
Mas ouço-te, desde as falinhas de bebé até hoje, em que me contas as histórias das princesas espalhadas no tapete, misturadas com os talheres da cozinha de brincar.
És uma menina grande que não esconde doçura e mimo. Nos teus olhos vejo a alegria que tenho ao meu lado todos os dias. E, por isso, também és um bocadinho minha.
Que o tempo nos dê muito tempo.
Que o teu caminho seja sempre o mais feliz.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A Visita


Sobe as escadas de forma lenta. É muito gordo e cansa-se com facilidade. Chega como se fossemos amigos de conversas diárias há anos, e este fosse mais um momento da nossa longa e feliz amizade.
Pergunta se já está alguém doente. Gosta de saber essas coisas, quem vai ser a primeira pessoa a apanhar a gripe este ano, que agora acaba-se o Verão e já se sabe, cai tudo à cama. Mora ao pé da praia mas não foi este ano, conta-me. Acontece muitas vezes e a muita gente, estar ao pé da praia e não ir. Não respondo. Tudo o que eu diga pode fazer com que a conversa dure o resto do dia. Limito-me a fixar os olhos no trabalho e fazer como se ele não estivesse aqui.
Mas é igual. Para ele. É normal subir a escada, entregar-me mais um cartão-de-visita, e perguntar se está tudo bem. Com especial incidência, claro, no pormenor das doenças. Deve ser porque a mulher é muito doente, soube-o de uma das vezes anteriores que cá veio fingir que me conhece e desembrulhar o nó da cabeça no meu regaço.
Penso como é comum contarem-me dramas pessoais. Este homem lembra-me de outras vezes que fui para casa a carregar dores que não são minhas, por me envolver e revoltar-me e convencer-me que podia fazer diferença. Não faço. Cada um faz a sua diferença, se realmente quiser.
Por isso, agora, sentada no meu lugar, a trabalhar como se não houvesse aqui ninguém, engulo a vontade de rir quando me conta, vaidoso, que veio comprar sacos para o cocó do cão. Incha pela prova de cidadania e da vontade de fazer a diferença na Caparica, onde é tudo uma porcaria, no que ao cocó de cão refere, entenda-se.
Em seguida passa para a mesa das revistas. Agarra-as com encanto e cuidado. Antevejo o desejo de as levar para casa. Desço o olhar para o teclado. Pergunto-me quanto tempo durará isto desta vez. Pega numa revista com um brilho de felicidade no olhar. Volta-se para mim e pergunta “vocês ainda têm esta revista?”. Não percebo a pergunta mas não interrogo, respondo que sim, o que é verdade, ou não estaria a revista na mão dele. Vê as datas das revistas. “Esta já é de Outubro de 2014, posso levá-la?”. Não, respondo eu, as revistas não podem sair daqui. Sinto-me maquiavélica. É como roubar um doce a uma criança. Fica desapontado e pergunta se pode tirar notas da revista. Então escreve. Eu tento olhar para esta cena de fora, como se fosse o público de uma peça de teatro, e não consigo decidir se é comédia ou tragédia.
Terminados os apontamentos sorri e despede-se. Eu digo adeus. Não percebo nada. Mas a verdade é que já não preciso de perceber tudo. Passou-me essa aspiração. Gastou-se-me no cansaço do tempo. Tenho poucas certezas, é o melhor. Mas sei que ele voltará.

Caminhar


Pudesse eu viajar eternamente e nunca mais voltar onde já estive
Uma renovação para fora do que foi, sempre, em cada passo
O caminho sempre aberto do impossível, ou do que não parece possível
E atravessá-lo sabendo que, acreditando, não há nada que não possa ser

domingo, 9 de agosto de 2015

Crónica dos dias da semana, ou as mil e uma maneiras de sermos controlados


Uma pessoa perde a conta à quantidade de formas como é controlada. Já é completamente normal que toda a gente saiba o que estamos a fazer, onde, com quem e durante quanto tempo. Toda a gente sabe o que gostamos de comer, se temos insónias, se fomos parar ao hospital, se casámos, divorciámos, traímos ou nos apaixonámos. Tornou-se normal contar a vida a quem a queira saber, sem vergonha nem filtro, gostamos de mostrar o que comemos, para onde viajamos, contar as nossas mais íntimas aspirações.
Somos todos cidadãos “livro-aberto”.
Na sociedade “facada-nas-costas”.
Estamos todos a precisar de um psiquiatra.
Habituámo-nos e é viciante. É uma nova forma de comunicar e sentimo-nos menos sós porque temos respostas. No tempo em que estamos todos sós falamos através de máquinas. Não falamos coisa nenhuma, mas iludimo-nos que sim. Sensibilizamo-nos com o interesse dos outros, mas na verdade os outros só querem mesmo é coscuvilhar a nossa vida. Tudo perdoado. Fazemo-lo exactamente pelas mesmas razões. Ninguém é inocente.
No meio de tanta informação, tanto acontecimento, tanta festa, tanto brinde, tanto amor perdido e abandonado nas redes sociais, há coisas que nos escapam. Habituamo-nos a imagens de fácil consumo, frases imediatas, competição ao prémio do mais óbvio, e tudo nos desabitua de pensar.
Há uns tempos o programa informático no meu emprego mudou. Agora somos diariamente felicitados com uma frase brilhante, uma citação bonita de gente já quase toda morta. Pela manhã sento-me no meu lugar, ligo o pc, levo logo com uma imagem maravilhosa de águas calmas e azuis (porque é Verão), e depois a dita frase. Tudo coisas positivas que não há cá negativismos no trabalho, excepto claro, o facto de já irmos para lá contrariados e a contar as horas para fazer o caminho inverso.
Frase lida. Começamos a trabalhar. Embirrei desde o primeiro dia com as ditas frases. Truques baixos do mundo empresarial para motivação imediata dos peões. Nada como embirrar com alguma coisa para começar a reparar com mais atenção. Tomar notas. Rir-me. A lata destes gajos.
E em jeito de conclusão da minha análise das frases motivacionais tenho a dizer que, somos subtilmente (mais ou menos) induzidos a entrar no estado de espírito da citação do dia. A dita citação não é escolhida à toa e detectei uma tendência para, em cada dia da semana, ser focado um propósito específico. Assim temos:
Segunda-feira: Planeamento;
Terça-feira: Produtividade;
Quarta-feira: Perseverança;
Quinta-feira: Trabalho de Equipa;
Sexta-feira: Felicidade;
Todas as semanas a mesma coisa. Um dia para cada ponto chave do trabalho exemplar. Sendo que à sexta-feira é-nos permitido ser felizes. No resto dos dias não há tempo para isso que temos de planear, ser produtivos e perseverantes em equipa. Para dar o litro. Sempre mais e mais. E com um sorriso nos lábios.
Eu se calhar era feliz todos os dias se não reparasse nestas merdas.

domingo, 2 de agosto de 2015

Novos Habitantes - Julho 2015

Este mês não há fotografia. Não vieram livros novos cá para casa. Estarei a curar-me?

terça-feira, 28 de julho de 2015

Imaginar


E de repente deixou de estar onde estava. Deixou de ouvir o telefone. Deixou de ver as pilhas de papéis à sua volta. Deixou de ouvir o seu nome, repetido continuamente por diferentes vozes. Foi para a sombra das árvores. Ouvia os pássaros. Sentia uma brisa de final de dia, suave e amiga, que lhe encheu o rosto com o sorriso, e os olhos, mesmo fechados, de brilho.
Ser livre é questão de imaginação. Não o é quem pode. É livre quem luta todos os dias mais um pouco por vir á tona, por escolher respirar fundo em vez de se deixar afogar. Respirar ar puro em locais intoxicados porque se imaginam os dias sem poluição.
A imaginação pode salvar. É uma criação pessoal. E ela sabe disso. Sabe-o quando está só nos dias cheios de gente que não quer ver, e vai para o cimo de um penhasco só para ter o medo bom de cair a flutuar. Devagar. Amortecendo o corpo nas nuvens com formas estranhas que, imaginando, são peixes, cavalos ou até elefantes. E com os pés mesmo na beirinha, continuando com o medo bom da queda, sopra bolas de sabão para os peixes, cavalos e elefantes. Para que fiquem juntos. Ela, que vai dentro das bolas de sabão, e as nuvens que a querem para brincar.
E imagina também, quando à noite está sozinha por dentro e não dorme, quando o luar ilumina uma nesga de chão, imagina uma vida de filme nessa tela de chão. E sorri dos beijos. E sorri dos afagos. E sorri de sorrir gargalhadas. E ser feliz imaginando deixa-a feliz a sério. Salva-a cada minuto mais um pouco. Adia a consciência. Ilude os sentidos. Sorri deitada na cama do bom que é não dormir. Ficar acordada para sentir a felicidade. Imaginada.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Anzóis


Só alguém muito especial pode escrever assim. Disse-me ele, ao ouvido, espreitando-me por cima do ombro.
Assim como? Disse eu.
Assim com palavras que são anzóis. 

domingo, 12 de julho de 2015

As andorinhas morreram todas esta noite

As andorinhas morreram todas esta noite.
Domingo triste sem os sons das crias no ninho e os voos das barrigas brancas acima dos meus olhos à janela. Não tive companhia hoje cedo. As leituras de Domingo são, agora, ainda mais sós.
Há silêncio. Mas ouço claramente os guinchos do ataque. Há sons que nos perseguem, que persistem, que fazem casa dentro dos ouvidos. E eu ouço o medo dentro do ninho. O alerta para o morcego do lado de fora. E eu, dentro do meu ninho, também tive medo do rato com asas colado à parede. E não fiz nada senão afligir-me da selva a acontecer na minha varanda.
O meu Inverno começou esta noite. Morreram as andorinhas, acabou-se a minha Primavera.

sábado, 11 de julho de 2015


Acordou e soube que tinha sorte por não haver ninguém. Por estar realmente só. Por não se sentir sozinha no meio das pessoas e das vozes, mas sim genuinamente só. Sem necessidade de sorrir e agradar e falar para não parecer estranha.
Abriu a porta, sentou-se no alpendre e sorriu da autenticidade daquele desejado vazio.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Fim do mundo


Todos os dias à mesma hora recebo uma mensagem.
Vem embrulhada em palavras bonitas e flutua num mar azul transparente.
Serve para me levar a fazer o que não quero, achando que quero, e contente.
Faço, sabendo qual é o lado mais fraco, mas viajo todo o dia do lado de fora da janela.
A distância para o fim do mundo é do tamanho do primeiro passo.

Casa isolada


Nunca te imaginaste numa casa isolada a viver da escrita?
Não sabia que estavas acordado, responde Joana sem se voltar.
Mauro observa-lhe as costas nuas, a tatuagem do mocho que ele desenhou bem ao centro das omoplatas, o lençol encorrilhado na curva das ancas, a pele muito branca. Apetece-lhe beijá-la.
Imaginaste?
Joana volta-se e olha-o. Sem pudor da nudez aproxima-se e enterra-lhe o rosto no pescoço, faz-lhe cócegas pelo queixo e desce ao peito. Ele ri-se e afasta-a. Que fazes, pergunta. Cheiro-te. Gosto do cheiro da tua pele, de ficar em cima de ti e lamber-te os lábios e morder-te os beijos. De te contornar as sobrancelhas com os meus dedos húmidos. Gosto-te tanto.
Imaginaste?
Gosto que me agarres e prendas com força. Não demasiada força mas força, quero estar presa mas poder sair se quiser. Não quero sair.
Aninha-se ao lado dele e abraça-lhe o braço.
Imaginaste?
Imagino em todas as horas de todos os dias da minha vida.

domingo, 5 de julho de 2015

Pormenores


Pintei as unhas dos pés. Por causa das sandálias novas.
Enquanto olho para as unhas coloridas a sala vai ficando composta.
Já não há lugares sentados. O ar fresco arrepia-me o pescoço nu e as costas mal escondidas.
Começa a música.
Um sorriso cola-se-me na cara cada vez que vejo um amigo chegar. Sorrio muito porque vieram muitos. Que bom. Os que não vieram fazem-me falta. Afasto esses pensamentos para engolir o nó na garganta.
Mudo de lugar. Para ouvir. Para falar do que fiz. Nada preparado nem pensado. A autenticidade pode arruinar-me. Confio no improviso e na inspiração. Arrisco. Não estou nervosa. Estou feliz.
Mas as emoções, esqueci-me delas, são arrebatadas pela primeira voz, que sente como eu este estar aqui. O bom de ser um começo. O medo de ficar só assim. O querer dizer a toda a gente que é isto, mas a voz tremer do bom que é sentir o que sinto, e não saber dizer como se quer tanto tudo aquilo em que se pensa.
Palmas e sorrisos e abraços e fotografias e dedicatórias. Reencontros, novos encontros, e encontro quem já tinha encontrado, mesmo sem nunca ter estado.
Foi bonita a festa, pá!

O favorito do mês - Junho 2015


Injustamente esquecido, um livro que tive a sorte de descobrir. Que bom ter amigos que sugerem leituras tão boas. Obrigada Cris.
Opinião aqui.

Novos Habitantes - Junho 2015


Seis livros comprados da Feira do Livro de Lisboa. Nove livros oferecidos por autores e cedidos por editoras.
Uma Feira contida nas compras mas voraz nos encontros, conversas e partilhas. O ano em que descobri uma Feira diferente, de amizades novas, de bons regressos.

sábado, 4 de julho de 2015

Ouço o silêncio


Ouço o silêncio. Agora, que só restam uma ou duas vozes no fim da festa, eu ouço o silêncio da noite que, finalmente, cai sobre a casa.
Despedidas à varanda, acenos aos amigos que partem. A mesa em desordem, copos meio cheios e garrafas vazias. O eco das gargalhadas na minha cabeça, a visão dos sorrisos, o arrepio dos abraços. Fechar a porta e voltar ao início. Apagar a luz e ouvir. O silêncio.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Os livros levam-nos um ao outro


Os livros levam-nos um ao outro, disse ele. E eu fiquei a tarde toda a pensar nisso. Frase bonita, disse eu. Mas é pouco, apenas duas palavras que não chegam para o que eu gosto do caminho para ele.
Poderá o longe diminuir com os livros que nos guiam? Os que lemos à noite no silêncio dos olhos que olham livros e tudo o que mais podem, para guardar o perfil e o gesto, o sorriso, e as palavras dentro dos olhos. As que dissemos sem pensar. As que pensamos e não diremos. Mas que podemos escrever e guardar escondido. Ou dar. Sem medo que fiquem para sempre, mesmo depois de tudo passar.
E quando passar, pode ser que os livros nos levem, outra vez, um ao outro.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Casamento


Estou contigo porque gosto dos nossos dias todos iguais. Encontrei aquilo de que os outros fogem. Rotinas. Gosto de saber com o que posso contar. Controladora? Pouco aventureira? Todos gostamos do nosso canto, e o meu é na companhia dos nossos silêncios, das coisas que gostamos, de sermos uns bichos do buraco enquanto os outros exibem as suas vidas em festa.
Escrevo isto com as unhas da mão esquerda pintadas e as da direita por pintar. Aproveito estas linhas para o verniz secar. Parvoíces. Pintar as da mão direita é mais difícil, requer treino, aperfeiçoamento, engenho. Agora já o faço melhor. É como essas teorias das pessoas que vivem juntas, que superam crises e cedem e abdicam de coisas para ter outras. Eu faço o que me apetece, não cedo, sou mandona e parva. Não posso estar com alguém para ser o que não sou. Ao menos aqui, connosco, sou eu. Em outros palcos sou a actriz falhada que sabes, da tristeza frustrada do fim do dia, de saber que o dia seguinte será igualmente mau.

“Dói-me a garganta. Tu também minha querida.”
É por isto. Pela tua incondicionalidade mesmo quando não me ouves. Pela constante segurança expectável. Pela ausência de surpresas, que detesto. Ou só porque estás meio a dormir e já não escutas com clareza, mas mesmo assim respondes algo revelador deste segredo.

Fotografia de Rui Garrido

terça-feira, 2 de junho de 2015

O favorito do mês - Maio 2015


Escolha fácil e óbvia, saibam porquê aqui.
E amanhã é o lançamento. 18h30 na Fnac do Chiado. É de ir! :)


segunda-feira, 1 de junho de 2015

Novos Habitantes - Maio 2015


Obrigada ao Nuno Nepomuceno e ao João Reis por me terem oferecido os seus livros, assim como à Planeta, Presença e à Topseller. Parabéns pela coragem, sabe-se lá o que pode sair das minhas opiniões.
Os outros agradeço ao meu saudável vício por livros. Assim me convenço.
Isto é bonito, tenho de agradecer mais vezes.

Espero por ti


Espero por ti. Há tanto tempo que espero por ti e nunca mais chegas. Ponho de lado a revista, pego no livro. Leio uma linha e levanto a cabeça a ver se vens aí. Nada. Levanto-me. Estico-me. Espero-te. Todos os dias desde há tanto tempo.
Então penso em ti. Ouço o teu riso na minha cabeça, como uma música que tenha gravado para nunca mais esquecer. E é esse riso feliz que me ampara de noite, quando adormeço no sofá e espero que o dia volte.
Sonho que me tocas e acordo. Em sobressalto. Mais uma memória, não és tu. Sou eu. Só eu. Está calor e abro a janela para a noite sem lua. O ar quente entranha-se na pele, formam-se gotas de suor no meu pescoço, que imagino serem os teus lábios, os teus beijos, o teu cheiro.
Regresso ao meu banco na estação. Levanto o olhar a cada comboio que chega, expectante quando as portas se abrem, e os passageiros ganham o chão do seu caminho. Eu estou aqui e tu? Virás? Passou algum tempo, não somos os mesmos. Passaram anos, demasiados talvez, outras pessoas. Pensarias em mim com outras? Eu pensei. Muitas vezes. Demasiadas. Por isso imagino o que poderia ter sido. Imagino incansavelmente. É esgotante pensar tanto. Querer sempre o que não se tem, achando que o que se quer é o que se merece.
Arrefece. Visto o casaco. Lembro a noite em que vagueámos sós pela cidade. De madrugada ficou mais frio, a noite engoliu o Verão só para os teus beijos me fazerem arder. Bebemos vinho ao pé do rio e o céu foi ficando mais claro. Uma noite é o ciclo do que quer que houve. Isso e a promessa do reencontro aqui, no mesmo lugar, uma experiência sociológica parva, todo este tempo atormentada pelo “se”. Se eu esperar ele também espera? Se eu for ele também vai? O dia chegou, eu estou aqui, com os sons daquela noite e o teu cheiro na memória.
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De comboio o tempo passa devagar e eu tenho pressa de te ver. Porquê tanto tempo para este reencontro? Tanto tempo perdido à espera, enganando os dias com outros encontros e as noites com outras na minha cama. Éramos miúdos mas eu sabia, nessa noite, que estaria aqui, hoje, neste dia marcado.
Quando sair do comboio será da mesma forma? Virás contra mim sem veres por onde andas? Distraída com as malas procurando a linha, atrasada para o comboio. O comboio não esperou que os nossos olhos se largassem, e ficámos sós, a meio das viagens, numa encruzilhada de desejos novos.
Olho pela janela e reconheço a paisagem. Ainda estou longe e já procuro por ti. Virás ter comigo?

domingo, 17 de maio de 2015

Apresentação do livro "A Espia do Oriente", de Nuno Nepomuceno


Detesto chavões e lugares-comuns, mas vou iniciar este texto com um. A vida tem coisas surpreendentes. Pronto já está, nem custou assim tanto. Já há algum tempo que queria ler “O Espião Português”, e todo o entusiasmo nas redes sociais com o lançamento do novo livro “A Espia do Oriente”, fez-me decidir incluir estes livros nas minhas compras da próxima Feira do Livro de Lisboa.
Contudo, a Feira do Livro ainda nem começou e eu já li os dois livros. Tudo isto porque um dia, há pouco mais de um mês, o Nuno Nepomuceno me contactou a perguntar se eu gostaria de ler “O Espião Português” e talvez organizar um passatempo no blogue. Evidentemente que sim, quem me conhece sabe que este tipo de propostas são completamente irrecusáveis, que sou uma assumida viciada em livros. A coincidência de andar a pensar no livro há algum tempo trouxe uma ênfase especial à coisa, pelo que me agarrei ao Espião com tanta vontade, que o arrumei em dois dias. Ou será que foi ele que me arrumou a mim? Talvez, dado que as cerca de três semanas que faltavam para poder ler “A Espia do Oriente” custaram muito a passar.
Desde então tenho vindo a conhecer o Nuno. O conhecer que os dias de hoje permitem, um conhecer de redes sociais, de letras a aparecer em computadores e bonecos a quem pedimos para demonstrar as nossas emoções ao outro lado. Mas também pessoalmente, ainda bem, que foi tão bom receber os teus livros, dados por ti, Nuno, e roubar aquele tempo de conversa a outras coisas.
Os livros dão-me tanto, já há tantos anos, desde que me lembro. Só quem tem esta ligação próxima aos livros poderá perceber como estes dois são especiais para mim. Além da opinião positiva que tenho da leitura de ambos, é a forma como cá chegaram que os torna únicos. Porque o Nuno, que os escreveu, é de uma generosidade e humildade raras, uma pessoa que me tem surpreendido pela sua persistência, vontade e esforço em ver o seu trabalho reconhecido, sendo ele próprio a promover-se com uma dedicação inabalável, e fazendo-me, por vezes, acreditar que os sonhos se realizam. Peço mais uma vez desculpa pelas banalidades que escrevo, a minha habitual frieza não acordou comigo hoje, estranho.
E por todas estas coisas boas fui no dia 13 de Maio ao lançamento do livro “A Espia do Oriente” (já lido e com vontade de atormentar as pessoas contando os finais dos livros mas portei-me bem), para ver uma fnac cheia de gente com vontade de ler os livros e de conhecer o Nuno. Deixo-vos uma foto dessa tarde. Tirada pelo rapaz que me acompanhou nesse dia e nos outros todos, que tem muito jeito para a coisa, toda a gente sabe isso, ele começa a convencer-se, finalmente.
O painel foi do melhor, não preciso de vos apresentar a Sofia e a Vera, companheiras que já considero amigas nestas coisas de andar a mandar as pessoas lerem (no caso da Sofia manda mais uma data de coisas), isto é, opinar e sugerir boas leituras aos seus seguidores. As meninas abriram a conversa, o Nuno falou um pouco sobre os livros, nada de spoilers, é profissional, e o Fernando, o Editor, convidou o pessoal a comprar. Para mim passou tudo muito rápido, diz que é assim quando se está bem.
Podia deixar aqui vários links de opiniões fabulosas sobre os livros, mas deixo só dois, os das minhas, pois claro.
Muitas outras coisas sobre os livros e o autor poderão pesquisar aqui.
E sobre o fotógrafo do evento, com quem, por coincidência sou casada, aqui.
Mais fotos deste evento.

domingo, 10 de maio de 2015

Querer ler tudo


Eu tento. E faço-o. Não ao ritmo pretendido, ou com a voracidade necessária, ler o que foi escrito antes, muito antes, do que é escrito agora. Por serem essenciais, por acreditar que um livro não é uma moda, e por saber que muitos dos que são recordados são fundamentais.

Falta-me tanta base, tanto livro obrigatório, tanto conhecimento que aguarda, alguns livros, aqui mesmo, em minha casa. Acumulam-se. Para um dia, para quando o futuro abrir espaço ao passado. Uma luta constante, que já é um cliché, quando e como? Mas as tentações das novidades são grandes, e já sabem o caminho cá para casa, e eu, fraca, deixo-as entrar e cedo ao chamamento das páginas a cheirar a novo.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

O que não pode ser salvo, de Pedro Vieira, na Comunidade de Leitores Leya em Grupo


A imagem está bastante má (que fotografia é outra coisa), mas o serão de ontem não será esquecido. E sim, há pessoas que se juntam à noite para falar de livros.
E que depois vão para casa ler.
E que nunca se fartam.
Em Junho há mais. Na Feira do Livro de Lisboa.

domingo, 3 de maio de 2015

O favorito do mês - Abril 2015


"O que não pode ser salvo", de Pedro Vieira, é do melhor que tenho lido. Recomendo sem reservas. A minha opinião aqui.
Na próxima quarta-feira, dia 6, este livro estará em discussão na Comunidade de leitores que reúne na Livraria Leya na Buchholz. Na segunda parte conta com a presença do autor. É necessária reserva. Informações na livraria.


quinta-feira, 30 de abril de 2015

Comunicar. Ou tentar.


Estamos sempre contactáveis e podemos falar com toda a gente de várias formas. Temos centenas de amigos. Mas na verdade estamos sozinhos, ou melhor, somos nós e o computador, o tablet ou telemóvel. Nós e coisas. Coisas não são gente.
Todos os dias estou em contacto e falo com muitas pessoas. Não falo. Escrevo. Escrevo com um dedo em dispositivos que, muitas vezes, acham que eu quero dizer uma coisa (que não é o que eu quero) e mudam tudo. Escrita inteligente. Magia negra. Boicote.
Contacto com meio mundo mas na verdade não falo com ninguém. Conversar cara-a-cara, falar e ouvir fisicamente é coisa rara, antiga. Não há tempo. Em casa, sozinhos, podemos falar com muita gente ao mesmo tempo, normalmente sobre inutilidades, e, quando são conversas sérias, tendem a correr mal, pois ninguém vê ou sente o que dizemos. Só as letras a aparecer. Tem-me acontecido ser mal interpretada, ver as minhas próprias palavras desvirtuadas pela minha incompetência na comunicação virtual. Quando quero esclarecer um assunto, por exemplo, sou chamada de dramática; se explico uma coisa que fiz sou julgada antes que possa dizer porquê. É a tal coisa de não haver tempo, nem para explicações, só para suposições.
Complicada esta coisa de comunicar actualmente. Devia haver cursos, agora que há cursos para todas as coisas, pois de repente deixámos de saber fazer seja o que for, e temos de ter cursos, formações e mais uma data de balelas inúteis que nos roubam o tempo todo, e por isso temos de falar com máquinas, desculpem, através de máquinas.
Pois estes cursos poderiam preparar-nos para os mal-entendidos. Já há bonecos com expressões que podemos utilizar, mas quando o caldo se entorna e a discussão de instala, meus amigos, ninguém de lembra dos bonecos.
Eu sou perita nestas confusões. Preciso de um curso destes já. Gosto de opinar. E pior que opinar, gosto de esclarecer, o que muita gente chama de “se justificar”. E já sabemos o que significa quando alguém tem de se justificar… não é que eu ache que tenha, mas se o outro acha que eu o estou a fazer… Pronto, está tudo estragado. Quem se justifica tem culpas no cartório, nisso não há dúvidas.
Nesta era de não ter tempo, nesta teia em que nos enredámos, de querermos fazer tudo, inclusive aumentar as horas do dia, não fazemos nada, ou pelo menos, não fazemos nada bem.
Nós queremos ser como as máquinas que usamos. Nós estamos todos a endoidecer.
Alguém quer conversar comigo com as máquinas desligadas? Bem me parecia que não.